Curta esse texto Homo Shoppiens_3792{16.02.12} que fiz questão de publicar em meu blog. Além de realista e trágico, é muito cômico.
(pronuncia-se "xczsqkclóh")
Quem diz que o futuro da civilização será determinado pela Internet não conhece São Paulo. Aqui as coisas não funcionam como no resto do mundo. Vejo claramente em uma de minhas bolas de cristal – tenho duas – que o futuro da nossa cidade será o shopping center, uma espécie de útero arquitetônico: um lugar confortável, seguro, com clima agradável, onde o paulista encontra tudo o que precisa para se manter vivo. Lá todo mundo finge que ele é a pessoa mais importante do mundo e ele acredita. De fato, ninguém incorporou tanto o espírito de shopping center quanto o morador de São Paulo.
Com a escalada da violência e o crescente descaso das autoridades, os shoppings começarão a crescer vertiginosamente até se tornarem verdadeiras cidades. As pessoas passarão a viver dentro dos shoppings. Autênticas sociedades de consumo. Haverá ruas, avenidas, praças, parques, plantações, criação de animais, indústrias, escolas, escritórios, estádios de futebol, até praia. Voltaremos aos moldes da idade média, onde cada castelo protegia a população de sua região e tinha seu sistema político-administrativo totalmente independente. Os shoppings paulistas serão, portanto, as novas cidades-estado do consumo.
Não será seguro sair desses baluartes do comércio. O lado de fora será terra de ninguém, sem segurança, sem lei, sem ordem e principalmente sem lugar para estacionar.
Os atuais administradores de shopping tomarão o poder como governadores ou imperadores e o clube dos lojistas será uma espécie de senado. As únicas leis que valerão serão as leis de mercado. Mas como o paulista também é brasileiro, algumas delas não vão pegar. Para manter a ordem, os seguranças tomarão a função de polícia. Imprensa? Só para divulgar as promoções do dia.
Como você sabe, não se pode fumar em shopping, portanto o cigarro será proibido nessa nova sociedade. É claro que surgirão rebeldes que pegarão em armas para defender o direito de se matar lentamente, criando uma seita religiosa radical que pregará o direito a fumar até dentro de berçários: serão os filhos da Nicotina, os seguidores do Alcatrão.
Não haverá mais esta profusão de documentos que as pessoas portam hoje. O que identificará o habitante dessas fortalezas do consumo desenfreado serão os cartões de crédito. A certidão de nascimento será substituída por aquela carteirinha que se tira para participar das promoções. Todos os deveres cívicos serão estimulados por promoções: pague os impostos e concorra a uma BMW. Não tome multas de trânsito e concorra a uma passagem para o Shopping Iguatemi. E quem for pego seguidas vezes pedindo desconto será banido desta cidadela das boas compras.
Tudo será comprável ou vendável: produtos, serviços, diplomas, carteira de motorista, votos, dignidade, etc. Bem , alguma coisa teria de continuar igual aos dias de hoje. E atenção, homens, não se preocupem. Sim, vai haver prostíbulos nestes novos templos sagrados do SPC:
– Meu bem, quanto foi?
– Cento e cinqüenta reais.
– Toma. E me dá uma notinha para eu poder participar da promoção? Ah, e não esquece o selinho do estacionamento, por favor.
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