Fui ver Sônia
Penápolis, 23 de Novembro de 2012.
Acabei
de chegar do teatro. Fui prestigiar pela segunda vez a adaptação da
“Valsa n. 06” de Nelson Rodrigues. Minha amiga Janaina Torciano, sua mãe
e irmã Milena Torciano deram-me uma carona de volta. Senão fosse
estaria eu por aí rodando as ruas noturnas. Não voltaria antes da
meia-noite. Foi bom voltar, pelo menos escrevi um poema “O Poeta Escreveu” e comecei a redigir esse diário.
Bem, agora é 24 de Novembro de 2012 e a equipe de teatro da cidade teve um bom desempenho deixando-me participar, como público, da emoção encarnada no trabalho de cada um. Principalmente da atriz principal desse monólogo: Monica Norte. Não há como ficar descrevendo como foi a peça. Não quero correr o risco de tornar meu diário em uma crítica sobre a dramaturgia. Muito menos quero discorrer meu pretenso conhecimento a respeito do assunto.
Certo de que já havia tomado uma latinha de Crystal e estava seco para tomar um pouco mais. Certo também que a garota que estava sentada na porta do depósito de bebida, pequena, magra, morena, atraiu-me. Não a olhei diretamente, mas senti que podia estar olhando para mim. Não perguntei, nem fiz menção de fazer. Aparvalhado. Saí abrindo a latinha e colocando a minha mão no bolso até sair do horizonte dela. Isso se ela realmente estivesse me vendo. Pois é o que eu realmente queria. Que ela levantasse, fechasse minha passagem, impedindo meus passos, perguntasse meu nome e dissesse que sou atraente e que tem o desejo no momento de me beijar.
Não estou alcoolizado. A “Sonia” é esquizofrênica e talvez somente ela pudesse me compreender. A Sônia com medo de um determinado Paulo. Eu com uma mulher sem nome da minha cabeça. A Sônia que não quer que mexam em suas amígdalas, eu querendo que ela tire das minhas mãos minha cerveja e me leve de volta ao mundo correto e puro dos normais.
Eu
sou anormal. Não porque as pessoas pensam assim de mim, mas foi uma
escolha que fiz. A cada dia vou aprendendo a não mais dar conta do mundo
real. A cada dia o meu mundo vai expandindo até me engolir. E quando
ninguém mais existir e só existir aquilo que criei. Então talvez me
deixo desfrutar da vaidade da normalidade.
A
peça foi boa. Tensa. Como eu esperava. Porque deve deixar todo mundo
tenso ver um rosto delicado de uma criança de 15 anos tornar-se uma
mulher estranha, louca, desvairada. Veias saiam pelo pescoço e costa das
mãos. Os dedos rígidos e o punhal de prata. Além do piano branco, do
vestido branco, da boneca que menstrua e de uma igreja... Não, uma torre
de uma igreja...Não, era uma cruz, ou um cruzeiro. Tinha uma bengala.
Sapatos bem cuidados e pés descalços. Sônia não podia com pés descalços.
E nada mais. O desejo do corpo, a falta da memória de uma falta. E que
falta cometeu?
Se houver outra eu vou assistir. Talvez beba mais antes. Para estar com Nelson Rodrigues, não importa o que vai beber, que se beba direito. Vale a pena. Bom trabalho. Apesar de que muitos ainda acreditam que o poeta sempre diz aquilo que escreve. Isso é medonho. Pra mim é fatal.
Mas
o poeta não pode querer falar exatamente aquilo que escreveu? Pode e
deve. Só não está na jurisdição dele determinar o que ele quis dizer.
Um depoimento pessoal radicalmente sincero. É raro ver isto dito assim !!
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