sábado, 5 de maio de 2012

DE VOLTA À INFÂNCIA


       

         As crianças têm necessidades imperiosas de comunicar-se. Quando descobrem, então, a fala, é como se ganhassem um presente de dimensão sem cálculo. Esse poder, as crianças levarão a última conseqüência. De posse desse poder, descobrem o mundo interno e externo. Tornam-se participante. Utilizam-na sem medo, como que um aventureiro desbravando uma mata fechada.

         É preciso testar o alcance do poder adquirido. Tudo se torna palavras sonoras já que perceberam que assim, melhor compreendidos, sua comunicação torna-se eficaz. Todo sentimento torna-se palavras sonoras. Se escrevessem seriam poetas? Aliás, a poesia não se restringe à escrita. Como exemplo os trovadores. Crianças são trovadores que cantam a vida. São os melhores comunicadores. Mesmo mudas, comunicam-se. E até mudas, por alguma fatalidade daquilo que os adultos chamam de destino, elas produzem comunicação. A criança em sua motricidade é comunicação, em sua essência é comunicação. Criança é comunicação.

            Mas quando chega a idade madura, deixamos a fala de lado. Acreditamos que meias palavras ou palavras e meia são suficientes.  Acreditamos que os nossos não-ditos, nossos olhares escondidos possam entregar nossas almas, podem dizer o que realmente somos. Tudo porque temos medos de dizer realmente o que somos, o que pensamos, o que queremos. Deixamos a mobilidade para sermos imóveis na estúpida justificativa de manter a energia. Para não perder a energia, para preservar, para não gastar. Como também para não criar conflitos, para sermos mais sociáveis, para sermos corteses.

          Dizem que um ponto já é um conto. Incerto. Outros acreditam que o olhar é tudo, um pequeno gesto. O que nos dá, diferentemente das crianças, é uma preguiça mental ou um descrédito a esse fabuloso instrumento, a voz. Comunicar-se, saber dizer. A nossa fé diminuta no poder de criação, que somos, é nossa falta de ação. Enfim, adultos não se comunicam como crianças, e são ineficientes, não se comunicam com as crianças e são incompreensíveis. Nossa lógica e nossa racionalidade precisam passar pelo crivo das crianças. Deve ser por isso que muitos de nós não suportamos os trinados infantis e as canções pueris.

          Quantos de nós (E até eu cometi esse grave despropósito) já pedimos aos infantes que calassem, pois os adultos estavam falando? Quantos professores proibiram a manifestação oral em sala de aula, pois isso atrapalharia a produção escrita e ou produziria a bagunça e a indisciplina em sala de aula? Quantos pediatras não perguntaram às crianças o que realmente estavam sentindo? Quantos amigos nossos não perguntaram a idade de nossos filhos desconsiderando-os presentes em nosso meio e entendendo e tendo condições de responder a essa e tantas outras perguntas? Temos sistematicamente feito as crianças calarem, tirando seus direitos de dizer, de expressar, de comunicar. As crianças têm necessidades de comunicar. Nós esquecemos a nossa. As crianças precisam falar, nós as censuramos.

            Como é sábio o conhecimento cristão. Só merece o reino quem se assemelha a esses pequeninos. De fato, quanto mais se afasta do poder maravilhoso da infância, mais se perde do fabuloso mistério de ser humano.

            Não pode trabalhar com uma criança quem não entende esse maravilhoso universo vivido por elas. Da mesma forma não pode lidar com uma criança quem não a compreende por toda sua completude. E a isso refiro-me a quem se propõe a ser um pediatra, um psicólogo, uma enfermeira, um professor, um pedagogo, um diretor escolar, um coordenador pedagógico, um psicopedagogo,um palhaço, um apresentador de programas infantis, uma merendeira, um catequista, um pastor, um padre, um produtor de músicas infantis, um escritor infanto-juvenil, um padrinho, uma madrinha,  uma tia, um pai, uma mãe e tantos e tantos outros.

         Deixemos de lado a pretensão de tornar nossas crianças em adultos em miniaturas. Deixemos aqueles velhos e desgastados chavões de que somos jardineiros e estamos plantando sementinha em cada uma dessas crianças e, quando necessário, devemos podá-las para crescerem na direção certa. O que é uma direção certa? O que é o caminho certo? Não fomos crianças também? Não erramos e com nossos erros aprendemos? Devemos mostrar os nossos mundos partindo dos mundos criados por ela. Não devemos impor e sim propor.

            Assim, fica subentendido, que para se ter uma criança ao lado precisa ser como ela, falar como ela, comunicar como ela, viver como ela.

         Entender uma criança e não fazer com que ela nos entenda. Porque lidamos com um mundo não nosso, mas delas, com as perspectivas delas. Respeitando-as teremos pessoas que também nos respeitarão.

         É isso aí.

 

Valdir dos Santos Lopes

Psicopedagogo - Clínico e Institucional

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