domingo, 25 de abril de 2010

Nosso espírito de porco


No blog "Querido Leitor", Rosana Hermann comenta a triste mania brasileira de não levar a sério produções de terceiros e, por cima, em subvertê-las de forma acintosa. Em exemplo usado no texto, comenta como os criadores da Wikipedia espantam em ver como os brasileiros têm a disposição de destruir projetos, monumentos, idéias, trabalhos, distorcendo informações, publicando inverdades enquanto os leitores de outras nacionalidades valorizam mais o espaço.
Então cabe a questão de pensarmos qual é a moral que se constrói, ou o sentido moral que está presente na sociedade brasileira.
Acredito que o texto é interessante e fomenta discussões sobre Ética, moral e cidadania.
Que Cidadania temos construído? Quais ações tem contribuído para sustentar o sentido de cidadania e ética presente em nosso país?



NOSSO ESPÍRITO DE PORCO

O segundo hotel onde fiquei em Berlim tinha um seleto grupo de hóspedes da Wikipedia. Gente de todo o mundo, de diferentes departamentos. Tive a oportunidade de conversar com algumas pessoas e, claro, o assunto acabou sendo a Wikipedia Brasil e o nosso povo brasileiro.

É chato falar mal de si mesmo, da própria pátria, cultura e compatriotas. Mas é pior fingir que não se está vendo o que está na nossa cara. E uma das características do brasileiro em geral que fica visível até de longe é o nosso espírito de porco. Não é preciso definir, todo mundo entende o que é. É a filosofia por trás do oportunismo exacerbado, a Lei de Gerson, a maldade gratuita, a famosa 'sacanagem' de quem ri do mal alheio. Claro que tem coisas que a gente faz e gosta, como tirar sarro dos argentinos no futebol. Mas aí é uma brincadeira cultural sem consequências, não cai na categoria do que acontece na Wikipedia.

Em vários paises do mundo, talvez mais éticos porém menos divertidos que o nosso, a Wikipedia é um sucesso absoluto. As pessoas entendem seu princípio aberto e colaborativo e produzem wikis com concentração e seriedade. A Alemanha é um dos países onde a Wikipedia é mais produtiva, só pra citar um exemplo.

Aqui no Brasil, porém, acontecem alguns fenômenos diferentes. Tem gente que passa o dia inteiro destruindo o que foi feito, em vez de produzir alguma coisa. Tem outros que querem brincar, sacanear, publicando hoaxes e mentiras nos wikis só para enganar os jornalistas. A ideia é simples: o cara escreve algo que não é verdade. Tenta fazer com que alguém publique essa mentira num jornal. Depois vai lá, coloca o link do jornal nas referências e 'lastreia' a mentira, carimbando a mentira como verdade.

Qual a vantagem disso? Qual o resultado positivo de enganar alguém num meio público e aberto, que pertence a todos? Por que não fazer isso num blog? Por que sacanear uma... enciclopédia?

É isso que os gringos não conseguem assimilar. Eles não entendem por que alguns brasileiros acham graça em destruir algo que também é seu, transgredir uma regra feita também por ele. O espírito de porco, o 'sacanear só pelo prazer perverso', não faz sentido, porque a Wikipedia não é o 'establishment', ela é ... nossa própria comunidade.

Escrever mentiras e destruir wikis é como pichar monumentos. Qual a vantagem de pichar o Cristo Redentor? Por que? Pra que? Pra ganhar notoriedade? Pra dizer que conseguiu? Pra ser o bam bam bam na sua turma?Talvez sim, talvez não. Um dos pichadores do Cristo Redentor ,por exemplo, nem sabe bem por que fez isso. Fez por fazer, sem grandes propósitos.

Não posso afirmar, mas sinto, intuo, que a mesma fonte que gera este tipo de atitude ruim, pode estar ligada a criatividade e ao jogo de cintura do brasileiro. Temos também um lado positivo desse jeito bamboleante da mente e do quadril, uma coisa única. Se a gente conseguisse aproveitar esse dom de um jeito positivo, seríamos uma potência. Temos a energia. Só que usamos a energia de um jeito errado, que dissipa mais do que realiza. A gente perde muito tempo, cuidando da vida alheia mais do que da nossa (eu também... lamento dizer...), destruindo mais do que produzindo, criticando mais do que analisando. Usando a capacidade bacana de brincar no momento errado, no local errado.

Se de um lado temos um povo feliz e sexualmente livre, temos também a chaga do turismo sexual e da prostituição de crianças. Se temos a incomparável beleza do Carnaval, o maior espetáculo da terra, temos também um alto índice de analfabetismo. Se temos uma Internet avançada, somos também o pais recordista em emissão de spam. Se temos uma propaganda premiada, temos uma imensa desigualdade social. Se temos uma TV premiada, temos também uma máquina de comunicação corrompida por favores políticos que concedem emissoras de rádio e TV para quem tem mais poder.

Temos que resolver nossas contradições, temos que decidir nosso futuro, reavaliar nossas posturas. E, sobretudo, aprender a usar nossos dons para coisas que nos levem ao desenvolvimento em vez de nos puxarem para o fundo do poço.

Não somos um povo mimado. Somos crianças sofridas.
Mas mesmo crianças sofridas precisam virar adultas.
Está na hora do Brasil crescer, virar gente grande.
Temos que amadurecer. Pero, claro, sin perder la ternura....

http://noticias.r7.com/blogs/querido-leitor/2010/04/25/nosso-espirito-de-porco/?cp=0#comment-23861
ACESSADO EM 25/04/2010

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