ESCOLHI SER ALBINO
Autor: ROBERTO RILLO BÍSCARO
Editora: EDUFSCAR, 2012 SÃO
CARLOS, SP.
Autobiografia
Os escritos do professor Roberto Rillo
Bíscaro são incisivos, cheios da sinceridade cortante que tem. Quem o conhece
ou já teve oportunidade de conversar com ele perceberá que a estilística
comunga com a oratória. Sem medo de ser o que é, de pensar e dizer o que pensa,
talvez pelo mecanismo de sobrevivência que criou no decurso do tempo, como
relata em “Escolhi ser albino”, livro autobiográfico publicado pela EDUFSCAR.
Dessa forma não posso furtar-me
de citar algumas frases, que fazem jus a sua personalidade.
“Adoro experiências novas e
quebrar ideias pré-concebidas.” p. 27
“Afeto é via de mão dupla, cuja
largura ou estreiteza quem constrói são engenheiros de ambos os lados do
caminho.” p. 89
Quem espera proeza e relatos
épicos de um grande herói grego pode se frustrar. Até porque a autobiografia
não é de nenhum fundador de cidade alguma ou combatente em guerras faraônicas.
Mas é de um menino pobre que virou doutor. Não desmerece esse fato, enaltece à
vista dos mais cuidadosos.
Um relato intenso e talvez
angustiante, pois ao leitor é aberta a tela da vida de uma criança em volta com
a sua diferença. Diferença essa alardeada por todos que conviviam com ela. Mas
também uma narrativa serena e humorada de quem sabe que o que a vida lhe legou
não foram misérias, mas degraus para o autoconhecimento. Ciente dos verdadeiros
inimigos, não esmoreceu:
“Os verdadeiros inimigos sempre foram o
preconceito e a condição social desfavorável.” p. 18
“Quem possui alguma deficiência
necessita de serviço redobrado porque o mundo não é pensado para nós” p. 80
Não pretende ser um alerta,
apesar de podermos inferir na história do menino albino que venceu a sociedade:
Não estamos preparados para as diferenças. Nunca estivemos. Talvez porque é
mais fácil esconder do que relacionar. E quando as diferenças nos fazem rever
posições, então buscamos, apesar de aturdido e alarmado, remediar.
Lembro-me, uma vez em sala de
aula, que o professor Roberto Bíscaro,
então meu professor de Literatura Norte-americana, alertou-me do perigo da
passividade em que os diferentes reagem em relação ao tratamento social. Nunca
foi adepto do coitadinho. E deixa bem claro em seu livro. Iria vencer e para
isso usaria de todas as qualidades que possuía. A sociedade demorou a
reconhecer seus dons. Mas ele sabia desde o princípio. Isso deixa claro em cada
linha que se agiganta, página por página em sua autobiografia.
E verdade que esse otimismo não
lhe caiu do céu. Pois foi cercado de pais e irmãos com a mesma qualidade. Pois
viviam tempos difíceis, onde a capital paulistana e o interior elitista não
proporcionavam bons ventos aos pobres e à minoria religiosa. Pois, além de um
filho albino, eram pobres e espíritas. Realista, via o mundo pela ausência da
ótica mundana.
“Perdemos tanto tempo imaginando
lutas quixotescas contra moinhos de vento ou lutando contra tais invencionices
de nossas cabeças, que deixamos o essencial de lado, isto é, desfrutar da vida
plenamente, sem medo e sem se preocupar com a opinião alheia” p. 176
Uma das coisas que me acendeu ao
ler a biografia do professor Roberto é entender a determinação de alcançar
objetivos apesar das dificuldades.
Há sonhos em mim ainda distantes
e vejo-me estagnado. No livro e como em qualquer atitude para quem conviveu o
mínimo possível com Roberto, um tapa na cara é dado ao nosso comodismo, à
autopiedade, à fraqueza e a inércia. Terei que ficar parado após essa aula de
autoconhecimento, valorização e sobrevivência? Creio que não.
Ler autobiografia nos ajuda a
continuar, apesar dos pesares. Ainda mais quando o autobiografado não é um
ícone da década, uma figura histórica, um pop star, mas uma pessoa comum, com
problemas talvez semelhantes, que preferiu agir.
Outro ponto a ser destacado é o
foco e a persistência do professor a atingir seus objetivos. Sempre visando
patamares maiores. E quando alcançados, visando outros. Não se detendo na
iminência de algum problema, como no caso do fechamento do curso de Letras da
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Penápolis. Para quem realmente
poderia ter escolhido ser refém do fado, comportamento ainda forte na cultura
brasileira, decidiu ser diferente, escolheu ser albino.
É um bom exemplo para a maioria
dos alunos que reclamam frequentemente de suas realidades, esperando que venha
o futuro, o mesmo que deveria ser construído por eles.
É muito interessante repetir como
podemos ouvir o Roberto falando em suas páginas. Uma escrita muito próxima da
sua oralidade, transformando o livro num espaço mais ameno, menos acadêmico.
“- Olha, vai ser bem fácil me
localizar, eu sou albino, ta? É albino... Então, se eu não te enxergar, você me
acha, ok?” p. 212
Paulistano, filho adotivo de
Penápolis, percorreu a América do Norte, visitou os grandes “Hermanos”. Entrevistado
por Jô Soares, fotografado por Gustavo Lacerda, autor de um dos blogs, senão o
único, mais importante que reúne dados e contatos da realidade albina.
Professor, filho de uma empregada doméstica e de um alfaiate. Doutor pela USP e
professor efetivo de instituição de ensino federal.
Cabe a cada um dar o parecer da
leitura feita. A mim, apenas dizer que merece ser sempre lembrado.
“escolhi não me trancafiar” p.127
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